40 anos do Massacre de Kwangju: o dia que o governo da Coreia do Sul massacrou seus cidadãos (e o mundo esqueceu).
O dia 18 de maio de 2020 marca os 40 anos do início do Massacre de Kwangju, uma série de repressões do governo sul-coreano em 1980 contra a população da cidade de Kwangju, que se rebelou contra o regime autoritário.
Após a Guerra da Coreia, a Coreia do Sul mergulhou em obscuros anos de sucessivos golpes militares e regimes totalitários que perseguiam sistematicamente movimentos operários, estudantis, pró-democracia e pró-reunificação. Um dos piores ditadores da Coreia do Sul foi Park Chung Hee, que ficou quase 20 anos no poder. Ele saiu da presidência morto em um atentato e logo em seguida um golpe militar levou ao poder Chun Doo Hwan, major-general apoiado pelos Estados Unidos.
Chun Doo Hwan iniciou então um rígido período de repressão política e assinou a lei marcial, colocando toda a Coreia do Sul sob estado permanente de alerta.
Suas ações geraram reações por parte da população. Grupos estudantis e de trabalhadores irromperam em manifestações que reuniam milhares de pessoas por todo o país, incluindo a capital Seul. As demandas do povo incluíam pedidos de melhores salários, liberdade de imprensa, direitos sociais e emprego.
O governo respondeu decretando o fechamento das universidades – de onde emanavam boa parte dos movimentos – e o aperto da censura à jornais e meios de imprensa que foram proibidos de noticiar qualquer manifestação contra o governo. Se seguiram também prisões em massa.
Um verdadeiro levante se deu na cidade de Kwangju, que teve suas principais ruas e praças lotadas por centenas de milhares de manifestantes.


Chun Doo Hwan então fez a única coisa que um ditador sabe fazer: enviou tropas de elite do exército da Coreia do Sul, os “boinas negras” (conhecidos por sua selvageria e violência nas ditaduras anteriores), para reprimirem as revoltas em Kwangju.
Sob tutela do governo dos Estados Unidos, que mantém bases e milhares de soldados na Coreia do Sul, o exército sul-coreano avançou com soldados e tanques sobre a população, que até então se manifestava pacificamente. A polícia militar espancou e cercou mais de 3.000 pessoas na praça da cidade e o exército atirou contra os manifestantes.

A população então rapidamente se levantou e se organizou em milícias armadas, se apropriando de armas de delegacias e reagindo às ações hostis e desmedidas dos boinas negras. A resposta foi mais repressão: uma onda incontrolável de violência foi lançada pelo governo para suprimir a todo custo os manifestantes, que agora estavam armados. O exército sul-coreano usou helicópteros dos Estados Unidos para atirar contra alvos revoltosos. Tanques passavam por cima das pessoas.
A cidade se tornou um verdadeiro campo de batalha. Além dos tiroteios, o governo levou presos milhares de pessoas, na maioria jovens estudantes, que foram sistematicamente torturados e mortos nos porões da ditadura. Sobreviventes relataram casos de estupros também. Fotografias do Massacre de Kwangju revelam as ações dos militares, que espanaram pessoas ruas ruas e as alvejou como se fosse animais. Em cada esquina, amontoavam-se os corpos.


O Massacre duraria dias e só terminaria em 27 de maio de 1980. Chun Doo Hwan obteve sucesso em reprimir a cidade de Kwangju e manteve-se no poder até 1988.
Na época, o governo oficialmente divulgou que apenas duas centenas de pessoas haviam morrido no conflito, mas fontes independentes analisam que o número verdadeiro de mortos pode chegar a mais de 2.000.
Um ano após o Massacre de Kwangju, Chun Doo Hwan foi recebido na Casa Branca pelo então presidente dos EUA Ronald Reagan como convidado de honra. Reagan chamou Chun de “um homem forte”.

Em 1983, o ditador sul-coreano sofreu um atentado na Birmânia que quase o levou à morte. Especula-se que o atentado foi uma obra da Coreia do Norte.
Chun Doo Hwan foi julgado em 1996 e condenado à pena de morte por sua atuação assassina em Kwangju, mas foi perdoado pelo governo.
Ele vive confortavelmente até hoje e tem 89 anos.
Hoje em dia, há memoriais na cidade de Kwangju para relembrar as vítimas do massacre, que não é o único da história do Estado sul-coreano.
Nunca ocorreu nada parecido na vizinha Coreia do Norte.
Documentário norte-coreano sobre o Levante de Kwangju
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Lucas Rubio
Presidente do Centro de Estudos da Política Songun – Brasil
Um comentário em “Há 40 anos o governo sul-coreano massacrava seu povo em Kwangju”